Perguntado por uma
Conselheira Tutelar de Pelotas acerca da necessidade ou não de
desincompatibilização ou afastamento do cargo, para concorrer ao cargo de
vereador nas Eleições de 2012, fui buscar a informação, achando que seria fácil
encontrar a resposta. Pois não é que não foi fácil.
Pois bem, se não
havia resposta pronta no âmbito municipal, tratei de pesquisar. E desta
pesquisa resultou o parecer que segue:
Primeiramente,
acerca da natureza do vínculo do Conselheiro Tutelar, o Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei 8.069/90) criou o Conselho Tutelar - órgão permanente e
autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131).
Incumbidos da
execução de uma política de atendimento voltada à criança e ao adolescente, o Conselheiro
Tutelar exerce, sem dúvida, uma parcela do Poder Público. É, em muitas vezes, e
para fins específicos, face à natureza de sua função, equiparado a servidor
público, embora não vinculado ao regime estatutário ou celetista. É considerado
trabalhador público e percebe os direitos sociais correspondentes, tais como
férias, 13º salário, licenças maternidade e paternidade, gala, nojo, entre
outros direitos assegurados na Constituição Federal.
Tem-se, pois, que a
natureza do seu cargo/função, embora ainda não pacificada, mas, de forma
majoritariamente aceita pela doutrina e jurisprudência, enquadra-se na
categoria de servidor público, em sentido amplo, agente administrativo, em
sentido estrito, remunerado ou não, atendidas as especificidades da lei
municipal, por integrar órgão da Administração Pública Municipal.
Embora não possua
vínculo de dependência, o Conselheiro Tutelar exerce serviço público relevante,
de forma temporária, mas não eventual. Em contrapartida aos serviços prestados,
recebe remuneração paga pelos cofres da Administração Pública Municipal.
Destarte, é lícito afirmar que se trata de servidor público em sentido amplo.
Com efeito, ele
exerce função pública, e em Pelotas, remunerada pelo Poder Público Municipal,
podendo ser considerado servidor público, em sentido amplo. Isso impõe as
mesmas restrições aos direitos políticos aplicadas aos servidores públicos.
Veja-se: Agentes
Públicos, segundo o disposto no parágrafo 1º do artigo 73 do Código Eleitoral,
são aqueles que "exercem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração,
por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades
da administração pública direta, indireta, ou fundacional".
Desta maneira, percorrendo-se
o dispositivo supra, percebe-se que as proibições disciplinadas no
"caput" do artigo 73 do mesmo diploma legal, tendem a estancar toda e
qualquer espécie de desigualdade entre os candidatos nos pleitos eleitorais.
É de se levar em
conta que o intuito do legislador ao ordenar o afastamento de agentes
administrativos, seja eles funcionários, ou empregados públicos, diz respeito
às condições e recursos materiais exigidos e postos à disposição de tais
agentes para o desempenho das funções.
Nesse contexto
encontram-se inseridos o Conselho Tutelar e seus membros uma vez que o
conselheiro tem à disposição linhas telefônicas, materiais de expediente,
veículos, dentre outros meios e recursos, que podem ser passíveis de desvio de
finalidade durante a campanha e, pois, postos a serviço do
candidato-conselheiro.
Outra questão a ser
abordada é a necessidade de lei municipal reguladora do Conselho Municipal. A
própria doutrina leciona que o Conselho Tutelar é considerado como
"...parte da estrutura administrativa do Poder Público Municipal, o
Estatuto remete à lei municipal a competência para regular os Conselhos
Tutelares..." (Munir Cury e outros, in Estatuto da Criança e do
Adolescente Comentado, Malheiros, 405)
Em Pelotas, a lei
que trata da criação e funcionamento do Conselho Tutelar é a Lei 5.775, de 31 de
dezembro de 2010.
Porém, a lei em
comento não trata da questão de desincompatibilização do conselheiro no caso de
candidatura. Mas traz dois dados importantes em seus artigos:
Art. 2º Os conselheiros tutelares eleitos serão empossados por
ato do Prefeito Municipal.
Art. 3º Os mandatos de conselheiro tutelar serão
obrigatoriamente exercidos com dedicação exclusiva recebendo vencimento mensal
de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais), equivalente a atividade do código
CTM – Conselheiro Tutelar Municipal.
Primeiro, os
conselheiros são empossados pelo Prefeito Municipal, ou seja, inegável o
vínculo com a administração pública. Segundo, o mandato do conselheiro será
exercido, obrigatoriamente, com dedicação exclusiva.
Exercendo, assim,
uma parcela do Poder Público, tais membros mantêm vínculo jurídico com órgão
que integra a administração pública, de forma temporária, mas não eventual,
percebendo, inclusive, remuneração pelos cofres públicos do Município.
Tem-se, pois, por
plenamente atraído aos conselheiros tutelares a disposição legal vigente no que
respeita às condições de elegibilidade, disciplinadas na Lei Complementar nº
64/90, em especial o previsto no art. 1º, inciso II, alínea l, que prevê a
necessidade do afastamento das funções no período compreendido nos três meses
que antecederem o pleito. Importa referir que tal afastamento não implica perda
ou suspensão da remuneração, sendo garantido o direito à percepção dos
vencimentos integrais, na forma do art. 1º, inc. II, alínea "l" da LC
64/90.
Justifica-se em
decorrência do caráter permanente de sua função e exigência de dedicação
exclusiva, observado o que assevera o artigo 37, incisos XVI e XVII, da
Constituição Federal e Resolução n° 75 do CONANDA – Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente. Considerada a extensão do trabalho e o
caráter permanente do Conselho Tutelar, a função de conselheiro, quando
subsidiada, exige dedicação exclusiva. Sendo regime de dedicação exclusiva, não
se pode esperar que, para exercer o direito de ser votado, o conselheiro tenha
outros meios de se sustentar, se expressamente vedado por lei outra atividade
laboral que não a de conselheiro tutelar.
Nota-se existir
respeitável entendimento em sentido contrário a manutenção da remuneração dos
conselheiros quando afastados para concorrerem, quer à recondução, quer a outro
cargo eletivo, presente em arestos do E. Tribunal de Tribunal de Justiça do RS,
como o Acórdão n° 70001975879, que negou o pedido de licença remunerada a
conselheiro que almejava concorrer ao cargo de Vereador, no Município de
Pelotas, sob o fundamento de que inexiste norma legal expressa que possibilite
seu afastamento sem prejuízo da remuneração, independentemente do caráter
exclusivo e permanente de suas atribuições, aplicando, "in casu", o
princípio constitucional da legalidade no meio administrativo, previsto no artigo
37, "caput", da CF/88.
Com o devido
respeito, tal posicionamento não se configura na melhor e justa solução ao
tema.
Com efeito, a
candidatura, seja a cargos políticos, seja à recondução ao Conselho Tutelar
configura-se em direito subjetivo atinente ao exercício da cidadania, da
capacidade eleitoral passiva.
Ainda, a Lei
Complementar nº 64/90 foi editada para regulamentar o artigo 14, §9º, da
Constituição Federal, sendo que elencou, à época, as causas de inegibilidade
que sejam atentatórias ao Estado Democrático de Direito, via da influência do
poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta.
Desta feita, tem-se
que tal diploma legal foi editado em 18 de maio de 1990, sendo que a edição do
Estatuto da Criança e do Adolescente é de 13 de julho do mesmo ano, o que –
inicialmente – demonstra que aquele primeiro texto legal não poderia nunca
antever as novidades que este último (ECA) traria ao cenário jurídico brasileiro.
Isto indica –
claramente – que não poderia haver previsão legal de nenhuma causa de
inegibilidade que dissesse respeito, por exemplo, a desincompatibilização de
membro do Conselho Tutelar para disputa de outro cargo eletivo no mesmo
município. Entretanto, dentro das regras interpretativas de Direito,
posiciona-se a analogia como sendo instrumento útil para sanar omissões legais
e aplicação de casos concretos à luz da legislação vigente.
A Lei Complementar
nº 64/90 não traz – expressamente – necessidade de desincompatibilização de
membro do Conselho Tutelar para concorrer a outro cargo eletivo, mas
aplicando-se a mesma – analogicamente – encontra-se a vedação em seu artigo 1º,
inciso II, alínea 'l', aplicável por força do disposto no mesmo artigo, incisos
IV, 'a' e VII, 'b'.
Reza a LC nº 64/90:
Art. 1º São inelegíveis:
II - para Presidente e Vice-Presidente da República:
l) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos
órgãos ou entidades da administração direta ou indireta da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações
mantidas pelo poder público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao
pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;
IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:
a) no que lhes for aplicável, por identidade de
situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da
República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal,
observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;
VII - para a Câmara Municipal:
b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de
Prefeito e Vice-prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para desincompatibilização.
A lei prevê o prazo
de seis meses para afastamento, mas a jurisprudência tem considerado que seria
desarrazoado exigir-se afastamento maior do que três meses. O afastamento do
servidor público antes mesmo de ser escolhido em convenção partidária, e,
portanto, poder iniciar a campanha, significaria, na verdade, três meses de
férias ao ano, o que violaria o princípio da moralidade. Por isso, a
jurisprudência caminhou nesse sentido: o de exigir o afastamento de seis meses
apenas em casos específicos.
Conclui-se, s.m.j.,
que o membro do Conselho Tutelar tem que desincompatibilizar-se, com seu
afastamento, até três meses anteriores ao pleito para fins de concorrer ao
cargo de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.
Assim também entende
a jurisprudência eleitoral, que segue:
Ac.
TRE-CE nº 13524, de 11.8.08:
“Equipara-se
a servidor público integrante do Conselho Tutelar Municipal,
razão
pela qual o prazo para se desincompatibilizar é de três meses antes do
pleito,
fato comprovado nos autos”
Ac.
TRE-GO nº 4172, de 20.8.08:
“O
membro de Conselho Tutelar sujeita-se ao prazo de desincompatibilização
de
três meses previsto no art. 1º, inciso II, alínea “l”, da Lei Complementar nº
64,
de 18.5.1990.”
Ac.
TRE-MG nº 1691, de 23.8.04:
“Recurso.
Registro de candidatura.
Eleições
2004. Impugnação. Deferimento. Desincompatibilização. Servidor
Público.
Conselho Tutelar. Afastamento. Observância do prazo legal de três
meses.
Recurso provido.”
Ac.
TSE nº 16878, de 27.9.00:
“O
conselheiro tutelar do município que desejar candidatar-se ao cargo de
vereador,
deve desincompatibilizar-se no prazo estabelecido no art. 1, II, “l” c\
c IV, “a” da LC nº 64/90” Obs. Prazo de 3
(três meses).
Ainda acerca da
remuneração, no caso de afastamento do conselheiro, entende-se que a aplicação
analógica do artigo 1º, inciso II, alínea 'l', da LC nº 64/90 nos leva à
conclusão de que como este prevê que o afastamento terá a garantia do direito à
percepção dos vencimentos integrais, aplicar-se-ia tal regra em tese ao membro
do Conselho Tutelar, visto que seu cargo apesar de ser eletivo e temporário,
não é comissionado e demissível a qualquer tempo.
Embora nos raros
casos apreciados pelo TJRS, este tenha, de forma isolada, decidido pela não
remuneração do conselheiro em caso de afastamento, causando, inclusive, severos
prejuízos ao próprio exercício da cidadania do conselheiro tutelar candidato à
vereança, a esmagadora maioria da jurisprudência pátria tem defendido o
afastamento sem prejuízo da remuneração.
Nesse caso,
entende-se por absoluta pertinência e cabimento que haja na lei municipal que
cria o Conselho Tutelar ou modifica ou aprimora suas atividades e forma de
eleição, previsão expressa no sentido da obrigatoriedade do afastamento do
conselheiro candidato, sem prejuízo da remuneração, ensejando, com tal previsão
expressa, o aclaramento da situação, alcançando-se aquele que é um dos
principais objetivos do trato jurídico de todo e qualquer fato, a segurança
jurídica, para que, no momento da primeira candidatura a conselheiro tutelar, o
cidadão disponha de segurança e de certeza quanto à eventual candidatura à
recondução ou a outro cargo eletivo, afastando-se a insegurança de depender
quando da inauguração do futuro processo de escolha ao Conselho ou a outro
cargo eletivo de decisão a respeito da necessidade de afastamento e, em tal
caso, se com ou sem prejuízo à remuneração.
Pela manutenção da
remuneração tem entendido o TJSP:
DIREITO ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA –
CONSELHEIRO TUTELAR – DISPUTA À ELEIÇÃO DE VEREADOR – DESINCOMPATIBILIZAÇÃO –
AFASTAMENTO POR TRÊS MESES SEM PREJUÍZO DOS VENCIMENTOS – DIREITO – EXISTÊNCIA
– O afastamento, por três meses, para concorrer as eleições, sem prejuízo dos
vencimentos, de servidor público, estatutário ou não, é garantido pela Lei
Complementar 64/1990, em seu art. 1º, II, “I” – Nega-se provimento ao recurso
voluntário e ao reexame necessário.
Também o MP-RS, por meio do Centro de Apoio
Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul, em doutrinas assinadas por José Luís Pires Tedesco, Newton de
Lavra Pinto Moraes e Divino Marcos de Mello Amorim.
Ainda, o MP-GO, por
meio do Centro de Apoio Operacional da
Infância, Juventude e Educação, em parecer do Promotor Coordenador Everaldo
Sebastião de SOUSA, também segue a mesma linha.
Por fim,
decisões espalhadas em outros tribunais reforçam a tese.
CONCLUSÃO
Após analise da
legislação, bem como da doutrina e jurisprudência, conclui-se que, em virtude
da importância do Conselho Tutelar, em face dos temas e funções que lhe são designados,
a natureza jurídica dos Conselheiros Tutelares é de servidores públicos, em
sentido amplo, agentes administrativos, em sentido estrito, de caráter
honorífico, remunerado ou não, atendidas as especificidades da lei municipal,
por integrar órgão da Administração Pública, porque mantém vínculo jurídico com
órgão que integra a administração pública municipal, não empregado, pois, o que
impõe a incidência das mesmas restrições aos direitos políticos aplicadas aos
servidores públicos.
No que tange à
desincompatibilização à concorrência de cargos eletivos, é medida que se impõem,
independentemente do aspecto jurídico do tipo de vínculo que o Conselheiro tem
com o município, pois, exerce, sem dúvida, uma função pública.
Em relação a
remuneração em virtude do afastamento, esta tem que se manter intacta, ou seja,
o afastamento do conselheiro, para concorrer a cargo eletivo municipal, deve
ser no período anterior a três meses do pleito, sem prejuízo de sua
remuneração.
Por fim, visando
facilitar a consulta dos interessados, segue link com tabela preparada pelo TRE
SC, tratando dos prazos de desincompatibilização.